O usufruto sobre quotas de sociedades limitadas, transferidas aos herdeiros em virtude de planejamento sucessório em empresas familiares, não impede que estes exerçam o direito de retirada, extinguindo as quotas e, consequentemente, o próprio usufruto.
Tem sido cada vez mais recorrente a utilização do usufruto sobre quotas de sociedades limitadas, especialmente nos planejamentos sucessórios em empresas familiares. Basicamente, o sócio, preparando a sua sucessão em vida, mas buscando não abrir mão dos direitos oriundos de suas participações societárias, as transfere aos herdeiros – normalmente por doação –, reservando para si o usufruto vitalício sobre as mesmas, visando principalmente a manutenção dos direitos de voto e de recebimento dos dividendos. Desta forma, apesar de proprietários (ou nu-proprietários), os herdeiros, agora sócios, ficariam com todos os seus direitos societários completamente “congelados”, até a extinção do usufruto, no momento do falecimento do usufrutuário. Será mesmo?
Em muitos projetos de planejamento sucessório, os sócios somente se sentem confortáveis em realizar a transferência das quotas diante da certeza quanto à total neutralização dos direitos societários dos herdeiros. A ideia é adiantar a sucessão – a fim de evitar potenciais conflitos e problemas comumente presentes nos processos de inventário causa mortis -, mas sem entregar o comando e os resultados da empresa. Contudo, manter o direito de voto e o de percepção de dividendos não é suficiente para evitar que os novos quotistas (herdeiros) pratiquem outros atos de natureza societária não alcançados pelo instituto do usufruto. É o caso do direito de retirada.
O termo é técnico. Retirar-se não significa, por exemplo, a saída de um sócio em razão da venda ou doação de suas quotas (cessão). Quando fala em direito de retirada, o Código Civil está tratando do mecanismo extrajudicial pelo qual o sócio de uma limitada pode exigir da sociedade (pessoa jurídica) a liquidação das suas quotas e o pagamento do seu valor, apurado através de critérios legais e contratuais que, via de regra, levam em consideração o contexto patrimonial da empresa para o cálculo. Não é venda. Não é doação. É simplesmente retirada.
Apesar de, originariamente, somente poder ser exercido pelo sócio dissidente em deliberações que aprovam qualquer modificação do contrato social, fusão ou incorporação da sociedade (art. 1.077 do Código Civil), a jurisprudência passou a admitir o seu exercício em qualquer momento, independentemente de motivo, desde que a sociedade tenha sido celebrada por prazo indeterminado, através da aplicação de dispositivo legal referente à sociedade simples (art. 1.029 do Código Civil).
Voltando à questão do usufruto vitalício sobre quotas, a sua formalização, através de cláusula inserida no contrato de doação e na respectiva alteração do contrato social, impediria o exercício do direito de retirada pelos herdeiros? Ou poderiam exercer tal direito, levando à extinção das quotas sobre as quais repousa o usufruto, e mesmo da empresa como um todo, dependendo do patrimônio a ser liquidado para viabilizar o pagamento dos seus haveres?
O capítulo do Código Civil que regula as sociedades limitadas não traz qualquer regra específica envolvendo usufruto sobre quotas, obrigando o intérprete a verificar as normas gerais sobre tal instituto jurídico previstas no Código Civil, além de outras presentes na Lei das Sociedades Anônimas, na hipótese de regência normativa supletiva. De imediato, o art. 1.390 do Código Civil estabelece que o usufruto abrange “os frutos e utilidades” de um bem. O artigo 1.394, por sua vez, prescreve que o “O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”.
Não há dúvida que o direito de retirada não se trata de fruto ou utilidade decorrente das quotas, uma vez que visa à extinção das mesmas, ato totalmente dissociado da ideia de uso ou fruição.
Exemplo de frutos são os dividendos, e de utilidade o direito de voto. De forma essencialmente diversa, o direito de retirada, uma vez exercido, aciona mecanismo de provável extinção das quotas, ou seja, dos próprios bens gravados com o usufruto. Por isso se trata de um direito exclusivo do proprietário, ou seja, dos sócios, que, no caso do planejamento sucessório, são os herdeiros, e não um direito do usufrutuário possuidor. Não é demais lembrar que a destruição do bem é causa de extinção do usufruto (art. 1.410, V, do Código Civil).
Isso não significa que o usufruto seja figura imprestável para planejamentos sucessórios empresariais. Pelo contrário. Dentro do contexto apropriado para sua utilização, resolve a importante questão envolvendo o direito de voto e o de percepção de dividendos. Contudo, se a intenção é impedir que os novos sócios (herdeiros) venham a praticar quaisquer atos de natureza societária, ou pelo menos o exercício do direito de retirada, outras ferramentas jurídicas deverão complementar a cláusula de usufruto, a exemplo da estipulação de obrigação de não fazer; adoção de prazo determinado para a sociedade; transformação do tipo societário de limitada para anônima; dentre outras.
By: André Papini